Resumo
A presente investigação, realizada durante o ano letivo 2020/2021, no âmbito do Mestrado em Ensino de Música da ESML, sob orientação do Professor Doutor Tiago Neto, tem como eixo central o processo de ensino-aprendizagem do violino em grupos com alunos de níveis diferenciados, e prende-se com a realidade de que o ensino coletivo é uma modalidade presente no âmbito do ensino especializado de música em Portugal, aspeto que constitui novos e complexos desafios, nomeadamente, na gestão da heterogeneidade.
A pesquisa tem como principal objetivo encontrar procedimentos pedagógicos que promovam o desenvolvimento de todos os alunos dispostos em grupos de aprendizagem instrumental heterogéneos, assim como analisar o impacto da socialização e interação na potencialização de competências musicais.
Esta investigação destina-se a todos os docentes do ensino especializado de música que praticam o ensino coletivo e são diariamente confrontados com novos desafios a nível da heterogeneidade dos grupos, assim como a todos os professores que encontram especial dificuldade em adaptar o ensino instrumental a um modelo coletivo.
Em função disso, o estudo pretende oferecer uma visão realista em relação ao ensino coletivo assim como encontrar técnicas que melhorem a operacionalização da prática pedagógica coletiva e consequentemente, a aprendizagem instrumental de todos os alunos dispostos em grupos com níveis diferenciados.
Palavras-chave: Ensino coletivo, ensino-aprendizagem do violino, ensino diferenciado, socialização, Conservatório d’Artes de Loures
Abstract
The current research, carried out during the academic year 2020/2021, within the scope of the Master in Music Education at ESML, under the supervision of Professor Tiago Neto, has as its central axis the teaching-learning process of the violin in groups with students of different levels, and is related to the reality that collective teaching is a modality present within the specialized music teaching in Portugal, an aspect that poses new and complex challenges, particularly in the management of heterogeneity.
The main objective of this research is to search for pedagogical procedures that promote the development of all students within heterogeneous instrumental groups, as well as to analyze the impact of socialization and interaction in the enhancement of musical skills.
This research is addressed to all teachers of specialized music education who employ collective instrumental teaching and are daily faced with new challenges concerning groups heterogeneity, along with all teachers who find it especially difficult to adapt instrumental teaching to a collective model.
Therefore, this study aims to offer a realistic vision of collective teaching, as well as to find techniques that improve the operationalization of collective pedagogical practice and consequently, the instrumental learning of all students in groups with different levels.
Keywords: Collective teaching, violin teaching and learning, differentiated education, socialization, Conservatório d’Artes de Loures
Introdução
A escola é um mundo de diversidade cultural, social, económica e emocional, e possibilita o acesso ao ensino a uma larga parte da população. Este fenómeno é fruto de um longo processo de democratização do ensino que chegou também à educação musical instrumental, substituindo, gradualmente, o paradigma do ensino individual pelo ensino coletivo que permite o acesso à aprendizagem musical a um maior número de pessoas.
Ao constituir grupos de aprendizagem instrumental, nem sempre é possível agrupar indivíduos cujo nível de preparação académica, interesses, competências, ritmos de aprendizagem e compreensão são elementos convergentes. Cada aluno traz consigo as suas próprias experiências académicas e pessoais, os seus problemas, relacionados com diferentes realidades sociais, e as suas ambições. Desta forma, o ensino coletivo abarca características únicas e necessidades substancialmente diferentes do ensino tutorial, todavia, a socialização assume um papel de destaque exclusivo a esta modalidade de ensino que indicia diversas vantagens.
Atendendo ao conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) difundida por Lev Vygotsky (1978), a colaboração com um adulto ou colega mais experiente apresenta-se como instrumento construtivo do desenvolvimento, permitindo realizar determinadas tarefas que não seriam exequíveis de forma autónoma. Esta teoria oferece fortes indícios dos benefícios da implementação de uma aprendizagem colaborativa para a aprendizagem instrumental em grupos com alunos de níveis diferenciados.
Considerando a heterogeneidade do grupo, surge também a necessidade de aplicar estratégias diferenciadas nas quais os alunos, apesar de frequentarem aulas instrumentais de conjunto, não partilham as mesmas tarefas ou objetivos, revelando ser crucial ajustar os desafios ao nível de aprendizagem de cada um dos alunos, lidando com as fragilidades de uns e a destreza de outros, com o intuito de potenciar a capacidade de todos.
Em função disso, procura-se responder às seguintes questões de investigação:
1) Na presença de um grupo com alunos de níveis diferenciados, é possível potenciar as capacidades individuais de cada um?
2) De que forma podemos maximizar o desenvolvimento do aluno no âmbito de um grupo diferenciado?
3) Qual o impacto da socialização na aprendizagem em grupos com alunos de níveis diferenciados?
Através do estudo teórico e empírico do ensino coletivo, em particular nos grupos instrumentais com alunos de níveis diferenciados, pretende-se encontrar formas de melhorar a prática do ensino coletivo em grupos heterogéneos e contribuir para melhores resultados na aprendizagem musical de todos.
Utilizando uma abordagem mista, a investigação utiliza o método Estudo de Caso como referencial metodológico, sendo o caso o processo de ensino-aprendizagem do violino em grupos com alunos de níveis diferenciados no Conservatório d’Artes de Loures.
Enquadramento teórico
Da democratização do ensino aos dias de hoje
A escola como a conhecemos hoje, aberta a todos, inclusiva e dinâmica, é o resultado de um longo processo de democratização e massificação do ensino. O direito a aprender, e o direito a um ensino de qualidade, garantido em diversos diplomas, é hoje um elemento fundamental para todos os cidadãos. No entanto, para chegar até aqui, a escola percorreu um caminho pautado pela constante mudança das sociedades e pela busca de um ensino de qualidade para toda a comunidade discente, adaptando os seus objetivos, metodologias e pedagogias, e atualizando-se conforme as necessidades da época.
Na década de sessenta do século passado, assiste-se ao fenómeno da massificação escolar, mas também a um decréscimo do nível educativo. A este respeito, Galvão Telles, na altura Ministro da Educação, referiu que “a corrida às escolas teria de ser acompanhada e vigiada” (Mendonça, 2011, p.16). Ainda assim, a universalização/massificação do ensino trouxe vários desafios, nomeadamente na gestão dos sistemas educativos, cada vez mais dispendiosos, e na dificuldade em gerir massas de alunos socialmente e culturalmente heterogéneas (Mikus, 2012). Posto isto, coloca-se a questão: como pode um sistema de base igualitária alargada atender a ritmos de aprendizagem diferentes, à diversidade cultural, social e cognitiva e ainda assim acreditar na obtenção de resultados iguais? Ana Benavente (2001, p. 116) enfatiza a urgência em romper com a associação entre “igualdade como sinónimo de uniformidade, considerando que a igualdade se constrói na diversidade de respostas”. Deste modo, tornou-se claro que garantir o igual acesso à escola não pressupõe a igualdade de oportunidades nem o sucesso escolar (Cabral, 2016).
A escola revelou-se impreparada para ativar recursos e pedagogias que servissem toda a comunidade educativa, algo que se refletiu no insucesso, reprovação e abandono escolar:
A Escola massificou-se sem se democratizar, isto é, sem criar estruturas adequadas ao alargamento e renovação da sua população e sem dispor de recursos e modos de acção necessários e suficientes para gerir os anseios de uma escola para todos, com todos e para todos (Barroso, 2003, citado em Coelho, 2010, p.24).
A diferenciação pedagógica nasce da consciencialização do fracasso escolar, do reconhecimento do sistema escolar como potenciador do insucesso, e do reconhecimento da diferença e da heterogeneidade dentro de um grupo. Por conseguinte, constatou-se que os alunos têm ritmos e formas de aprendizagem diferenciadas que exigem um tratamento individualizado ou uma discriminação positiva (Coelho 2010; Perrenoud,2000; Tomlinson, 2008). À luz deste argumento, a escola passou de tentar igualar as oportunidades de acesso ao ensino, para reconhecer igualmente as capacidades de cada aluno e acreditar na possibilidade de potenciar o desempenho e as capacidades individuais (Cadima, 2008).
Na pedagogia diferenciada é necessário refletir sobre três aspetos distintos: 1) o que os alunos aprendem? 2) Como os alunos aprendem? 3) Como os alunos demonstram aquilo que aprenderam? (Tomlinson, 2008).
A primeira pergunta leva-nos à questão do conteúdo, currículo e programa. Na pedagogia diferenciada, o currículo não se assume como uma estrutura rígida e uniforme, mas como um organismo flexível, centrado nos interesses dos alunos, que acompanha o seu desenvolvimento (Coelho, 2010).
A segunda questão está relacionada com os processos. Para responder a esta questão, é necessário conhecer o aluno como um todo. O professor deve procurar conhecer os seus pontos fortes e fracos, valorizar as conversas e debates informais dentro e fora da sala de aula, e considerar os seus interesses e a sua prestação em aula (Tomlinson, 2008). Todos estes aspetos ajudam a reconhecer os interesses pessoais do aluno, a entender os diferentes perfis de aprendizagem e, consequentemente, moldar as estratégias utilizadas de modo a ajudar cada aluno a atingir o seu máximo potencial.
A questão relativa à forma como os alunos demonstram o seu conhecimento remete para o processo de avaliação que, no ensino diferenciado, já não se baseia num “teste” final comum a todos os alunos. A avaliação tem o intuito de melhorar as aprendizagens; esta é ajustada ao perfil de aprendizagem e é efetuada através de uma variedade de instrumentos e de uma prática contínua e formativa: “Qualquer diferenciação do ensino requer uma avaliação formativa, ou seja, uma avaliação que supostamente ajude o aluno a aprender” (Perrenoud, 2000, p. 47). Este tipo de avaliação, processa-se de diversas formas com o objetivo de que cada aluno consiga partilhar o seu conhecimento ao longo da aprendizagem (Coelho, 2010; Mikus, 2012; Tomlinson, 2008).
Ensino coletivo e a socialização
O ser humano é considerado um individuo único, não obstante, é também um ser social que integra uma comunidade, segue as suas tradições, costumes e valores, e partilha dos mesmos objetivos, tais como, o crescimento pessoal, o respeito mútuo, a aceitação da diferença e a constante busca por uma boa qualidade de vida. Estes elementos, unem a comunidade e levam ao estabelecimento de laços sociais, interpessoais e a um sentimento de pertença na sociedade.
Neste sentido, um grupo de alunos que aprende simultaneamente a tocar um instrumento pode ser visto como uma comunidade, onde os membros integrantes respeitam o próximo e partilham dos mesmos objetivos e dificuldades. Como podemos evidenciar segundo Fernanda Ortins, Flávia Cruvinel & Eliane Leão (2004, p.61), estes elementos potenciam as relações interpessoais: “Fazendo parte de um grupo o indivíduo passa a questionar e perceber sua função no mesmo, bem como a conscientizar da função do outro, respeitando o espaço, potencialidades e dificuldades próprias e de cada pessoa participante do grupo”.
O método coletivo, para além de permitir o acesso ao ensino instrumental de qualidade a um maior número de indivíduos, sendo uma ferramenta importante no processo da democratização do ensino musical, também valoriza a cooperação grupal, desenvolve a concentração, as atitudes musicais e sociais dos alunos, cria um ambiente favorável à aprendizagem e funciona como instrumento potenciador de transformação social: “Acredita-se que o ensino coletivo é uma das alternativas para democratização do ensino musical e um meio de transformar a realidade dos educandos e consequentemente, a da sociedade” (Cruvinel, 2004, p. 70).
Contudo, para uma correta implementação e, consequentemente, sucesso do ensino coletivo instrumental, há uma variedade de premissas que carecem de transformação e adaptação. O ensino coletivo pressupõe uma nova roupagem a nível das pedagogias, mas também a nível das atitudes e das funções dos seus intervenientes. Sem esta metamorfose o sucesso e eficácia da aprendizagem em grupo, e no fundo da aprendizagem musical, poderão ficar comprometidas.
Em relação à definição do conceito de ensino coletivo, Ana Tourinho (2007, p.2) caracteriza-o como “transposição inata de comportamento humano, de observação e imitação para a aprendizagem musical”, propondo que fatores como o convívio, interação e observação dos colegas são parte integrantes da aprendizagem. Em razão disso, observa-se que os alunos aprendem pela experiência, comparando-se com os restantes membros do grupo através da audição, observação e participação, assim como desenvolvem a autoavaliação e o sentido crítico. (Swanwick, 1994).
Através deste tipo de aprendizagem, os alunos conseguem reconhecer dificuldades em comum com os colegas e esforçam-se por transpor esses obstáculos em conjunto:
A aprendizagem em música envolve imitação e comparação com outras pessoas. Somos fortemente motivados ao observar os outros, e tendemos a “competir” com nossos colegas, o que tem um efeito mais direto do que quando instruídos apenas por aquelas pessoas às quais chamamos professores (Swanwick, 1994, p.9).
A interação social e a sociabilização são elementos beneficiados pelo ensino coletivo dado que promovem a aprendizagem e a formação de relações interpessoais, como podemos evidenciar segundo Rui Pintão (2013, p.69) “A dinâmica de grupos, envolve um conjunto de relações de índole interpessoal que ocorrem entre membros de um grupo e que têm sobre esse grupo um efeito positivo sob o ponto de vista do seu funcionamento e da sua produtividade”. Esta interação social cria um ambiente favorável ao ensino-aprendizagem, onde os alunos participam e colaboram ativamente, elemento que fomenta a motivação, sentido crítico, autonomia e autorrealização.
Seguindo essa linha de pensamento, a teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), difundida por Lev Vygotsky, leva-nos para uma implicação relevante: a questão da função dos pares como mediadores da aprendizagem.
Vygotsky atribui especial importância à sociabilização e interação como alavanca para o desenvolvimento da criança onde a atividade deve estar centrada no papel do coletivo. O autor reconhece que os conceitos desenvolvimento e aprendizagem se encontram profundamente relacionados na psicologia infantil. Ainda assim, defende que os dois nunca coincidem (Vygotsky, 1978). A aprendizagem é um processo interno, ativo e interpessoal que sucede o desenvolvimento das funções mentais superiores (pensamento, linguagem, formação de conceitos, etc.). Este último emerge após o processo de transformação dos instrumentos e do comportamento social em instrumentos de organização psicológica e individual. Esta sequência resulta na conceção de Zonas de Desenvolvimento Proximal, teoria formulada por Vygotsky.
Até à formulação da teoria supracitada, acreditava-se que o desenvolvimento da criança era medido através das tarefas ou problemas resolvidos de forma autónoma pelas mesmas, descartando os problemas que a criança consegue resolver através da imitação e da colaboração com um adulto. A teoria da ZDP vem afirmar que, para medir o verdadeiro desenvolvimento da criança, é necessário ter em conta o nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal, esta zona define as funções ainda em fase de maturação, ou seja, tarefas que não são dominadas no seu todo individualmente, mas que, com a ajuda de um mediador conseguem ser atingidas (Ivic, 2010). Na definição dada por Vygotsky (1978, p. 86), numa tradução livre da autora, a ZDP é “a distância entre o nível atual de desenvolvimento da criança, determinado pela capacidade de resolver problema autonomamente, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela capacidade de resolver problemas através da colaboração com um adulto ou um colega mais capacitado”[1].
Esta zona define as funções em fase de maturação, ou seja, competências que são atingidas e desenvolvidas através da cooperação, imitação e instrução de um adulto ou colega. Quando interiorizados, esses processos são integrados na zona de desenvolvimento real, ou seja, o conjunto de competências adquiridas e resolvidas de forma autónoma.
Fino (2001), através das propostas de Vygotsky, entende que alunos que já tenham atingido determinados níveis de desenvolvimento, podem funcionar como agentes cooperantes ao auxiliar os colegas a atingir esses mesmos níveis. Através desta aprendizagem cooperativa, o aluno “tutor” sente-se responsabilizado e partilha a sua experiência com o aprendiz, que se apropria do conhecimento e dos procedimentos. Este fenómeno cria um ambiente de partilha e intervenção:
(…) no contexto da dinâmica de grupos e através da cooperação interpares é possível amenizar o ambiente de aprendizagem tornando-o mais informal e menos rígido, já que é mediado pela intervenção de alunos que, tendo aprendido mais depressa qualquer conteúdo musical, partilham o seu conhecimento e a sua prática pessoal com os colegas, posicionando o processo de aprendizagem numa outra dimensão didática e pedagógica (Pintão, p.72).
Com efeito, a interação social e a sociabilização são vistas como pontos a favor do ensino coletivo devido à sua dimensão instigadora da aprendizagem e da autoexpressão. Na participação e cooperação de todos os intervenientes, os alunos vêm o grupo como uma referência e aprendem uns com os outros, ao ouvir, observar e discutir ideias, aspeto que aumenta a sua motivação e compromisso musical.
Metodologia de investigação
O projeto de investigação foi operacionalizado no contexto da prática do ensino especializado do Mestrado em Ensino de Música da Escola Superior de Música de Lisboa, que teve lugar no Conservatório d’Artes de Loures (CAL) no ano letivo de 2020/2021.
Sob uma abordagem mista, este estudo combina métodos e técnicas de recolha de dados inerentes ao referencial qualitativo e quantitativo com o propósito de melhor compreender o fenómeno em estudo (Teddlie & Tashakorri, 2009).
No que concerne ao método utilizado, a presente investigação tem como plano metodológico o Estudo de Caso único. A escolha deste método prende-se com a sua natureza descritiva e exploratória que pretende estudar intensivamente “o caso”, ou seja, uma situação complexa no seu contexto natural, e descrever o fenómeno através da informação recolhida no seio do caso (Coutinho, 2020). O caso em estudo é o processo de ensino-aprendizagem do violino em grupos com alunos de níveis diferenciados no CAL.
Com efeito, pretende-se apurar a possibilidade de fomentar a aprendizagem de todos os alunos numa sala com níveis diferenciados, ao realizar um levantamento das técnicas utilizadas para atingir esse objetivo, assim como observar o impacto da interação, observação e colaboração no desenvolvimento musical dos alunos.
Participantes/amostra
Relativamente à amostra, o estudo de caso contou com a participação de quatro alunos do género masculino com idades compreendidas entre os 10 e 11 anos de idade, que frequentavam, à data de realização do estudo, o 1º grau de violino no CAL e que se dividiam em dois grupos com níveis diferenciados[2].
Esta amostra extrema, sob o ponto de vista de Michael Patton (1980, citado em Coutinho, 2020) justifica-se pelas características análogas entre os dois grupos instrumentais, e pretende ajudar a conhecer a realidade da aprendizagem em grupos instrumentais com alunos de níveis diferentes ao encontrar pontos convergentes e divergentes entre eles. Assim, no seio de cada um destes grupos instrumentais, um dos discentes apresenta um maior desenvolvimento técnico e musical, devido à frequência do curso de iniciação, em relação ao seu colega que se encontra a iniciar a aprendizagem musical, resultando assim numa desigualdade de nível e de competências adquiridas entre eles.
Recorreu-se ainda à opinião de dezassete docentes praticantes do ensino instrumental coletivo no CAL devido à pertinência da sua experiência no contexto do ensino instrumental coletivo, oferecendo assim um importante contributo para a compreensão da prática pedagógica no âmbito do ensino coletivo em grupos com alunos de níveis heterogéneos.
Salienta-se que todos os participantes aceitaram participar no estudo de forma livre, e permitiram a utilização dos dados para fins científicos, não obstante, para garantir o anonimato e confidencialidade dos dados recolhidos e apresentados, optamos por designar os discentes com um nome fictício.
Instrumentos de recolha
No âmbito da recolha de dados, o projeto de investigação apresenta um método misto, servindo-se de técnicas associadas ao foro qualitativo e quantitativo procurando assim, uma ampla descrição e futura compreensão do fenómeno mais próxima da realidade. Com o objetivo de estudar o caso sob vários prismas, procurou-se conhecer a opinião e experiência sobre o caso mediante várias perspetivas, neste caso, a perspetiva do investigador, dos alunos em grupos com níveis diferenciados, e dos docentes praticantes do ensino coletivo.
Desta forma, da lista de técnicas de recolha de dados constam: a observação direta participante e o registo em diário de bordo, que tinham como objetivo examinar o caso no seu contexto real, recolhendo informação significativa para as perguntas de investigação (Coutinho, 2020); e os inquéritos por questionário dirigidos aos alunos participantes no estudo e aos professores do ensino instrumental coletivo do CAL. A escolha deste instrumento em particular prende-se com o carácter anónimo do mesmo, aspeto que permite salvaguardar a privacidade dos menores e uma exposição de pontos de vista e ideias mais livre e, possivelmente, mais próxima da realidade pessoal de cada indivíduo.
Por conseguinte, ao obter informações acerca do caso em estudo mediante as diversas perspetivas, procurou-se estabelecer uma ligação entre a observação do fenómeno, a opinião dos discentes e a visão dos docentes praticantes do ensino instrumental coletivo, em vista de contribuir para uma melhor compreensão do caso e das suas especificidades.
Apresentação e análise dos resultados
Observação participante
Para a categorização e organização dos dados recolhidos na observação direta, foram registados semanalmente, em diário de bordo, os acontecimentos mais significativos ocorridos durante as aulas no que concerne às atitudes, interação e aprendizagem por colaboração e observação.
Para efeitos da descrição dos aspetos mais relevantes, e de modo a salvaguardar a identidade dos menores, nomearemos cada aluno com um nome fictício.
Cada grupo instrumental é composto por dois alunos com níveis diferenciados. Um dos grupos é constituído pelo “Fernando” - aluno mais avançado com três anos de contacto com o instrumento, e o “Gaspar”, que se encontra a iniciar a aprendizagem. O restante grupo é composto pelo “Gil” - que soma também três anos de iniciação, e o “Hugo”, aluno iniciante no violino.
Quadro 1 – Dados da observação direta referentes às atitudes dos alunos
Atitudes |
Observação direta |
Exemplos |
1.1 Os alunos sentem a falta do colega. |
1.1.1 O Hugo esteve várias semanas em confinamento, a respeito disso o Gil comenta “É meio chato ter aulas sozinho”; 1.1.2 O Gaspar não fica tranquilo enquanto o colega não chega e pergunta repetidamente “Onde está o Fernando? Posso ir chamá-lo?”. |
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1.2 Os alunos esforçam-se mais na presença do colega. |
1.2.1 Ao ser proposto executar uma peça em conjunto, o Gaspar esforçou-se ao máximo por conseguir tocar a sua parte. |
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1.3 Os alunos sentem-se realizados ao tocar em conjunto. |
1.3.1 Fiz um pequeno acompanhamento para o Hugo de uma das peças que o colega está a tocar. O Hugo ficou radiante, e apesar de ter tido algumas dificuldades, não desistiu. Os discentes gostaram tanto que pediram para repetir. Através desta atividade, a afinação do Gil melhorou substancialmente graças à presença da harmonia. Na aula seguinte disseram que tinham tocado juntos na escola. |
Fonte: Elaborado pela autora
Quadro 2 – Dados da observação direta referentes à interação e colaboração entre alunos
Interação e colaboração |
Observação direta |
Exemplos |
2. Os alunos iniciantes e avançados comentam a prestação do colega e intervêm junto dele ao demonstrar e explicar o seu ponto de vista. |
2.1 Fernando, ao ver a dificuldade do colega em tocar duas notas ligadas intervém, indo ao seu encontro: “Faz mais assim” demonstrando no violino. Após tocarem algumas vezes em conjunto, o Gaspar conseguiu algumas execuções corretas; 2.2 O Hugo, ao ver que o Gil não está a segurar o arco de forma correta (o mindinho estava esticado, aspeto bastante abordado nas aulas), dirige-se a ele e corrige a pega do arco dizendo “Assim está melhor”; 2.3 Ao comentar a prestação do colega, o Gil diz que o arco não está reto e dirige-se ao violino para demonstrar em que estado estava a posição do arco do colega e qual a posição certa. Numa segunda execução, o Hugo corrigiu imediatamente este aspeto. |
Fonte: Elaborado pela autora
Quadro 3 – Dados da observação direta referentes à aprendizagem por observação
Aprendizagem por observação |
Observação direta |
Exemplos |
3.1 Os alunos demonstram estar atentos à prestação do colega. |
3.1.1 Fernando comenta de forma espontânea que a afinação do colega não está perfeita e refere qual o dedo que deve ser ajustado; 3.1.2 O Gaspar confessa que durante as aulas tem estado atento à pega do arco do colega. |
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3.2 Os alunos adquirem o conhecimento através do contacto com o colega. |
3.2.1 Antes de introduzir um novo conceito ao Gaspar, foi pedido ao Fernando que tentasse explicar por palavras e através do instrumento esses mesmos conceitos. Desta forma, foram introduzidas as ligaduras, uso do 4º dedo e o stacatto, por exemplo, atendendo à perspetiva do colega mais avançado e ouvindo as suas dicas, muitas vezes fáceis de entender. |
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3.3. Os alunos iniciantes contactam com conceitos mais complexos, facilitando a compreensão e assimilação dos mesmos no futuro. |
3.3.1 O Fernando está a aprender a 3ª posição, no entanto, o Gaspar já sabe em que consiste e onde se posiciona esta nova posição; 3.3.2 Aquando da aprendizagem das ligaduras o Hugo exclama “Eu já ouvi o Gil fazer isso!”. |
Fonte: Elaborado pela autora
As aulas observadas caracterizaram-se pela sua dinâmica interativa. Os alunos partilharam as suas ideias, opiniões e questões com o colega e com o professor tornando-se menos individualistas. De notar o envolvimento dos alunos na aula, o espírito colaborativo, a interação entre colegas, o espírito de entreajuda, assim como a satisfação e entusiasmo em tocar em conjunto e em receber comentários construtivos da parte do colega.
Nas aulas coletivas, os alunos não só avaliaram a sua prestação individual, como também foram incentivados a comentar a prestação do colega. Em razão disso, regista-se uma maior consciência acerca das competências e limitações pessoais, bem como um ambiente de entreajuda que atua no sentido de reforçar a confiança e autoestima dos discentes.
Salienta-se igualmente o sentido de responsabilidade dos alunos em conseguir uma boa prestação perante o colega, fator que aumentou a sua concentração durante a aula e instigou um ambiente de competição saudável.
Questionário dirigido aos alunos
O questionário dirigido aos alunos foi implementado no decorrer do segundo período, uma vez que se contabilizava um número significativo de aulas lecionadas, permitindo uma maior aproximação entre os alunos, bem como uma maior familiaridade com a prática coletiva.
O mesmo questionário foi aplicado aos alunos avançados e iniciantes e a análise foi feita na comparação entre as respostas dos grupos. Em função disso, o Grupo A corresponde ao grupo de alunos que se encontra no nível avançado, enquanto o Grupo I se encontra no nível de iniciação.
Iremos de seguida, expor e comparar cada uma das respostas dadas pelos diferentes grupos.
Gráfico 1 - Questão 1: Gosto de ter aulas de instrumento em conjunto?
Fonte: Elaborado pela autora
Gráfico 2 - Questão 2: O que mais gosto nas aulas de violino?
Fonte: Elaborado pela autora
Os resultados recolhidos expõem um facto importante; por um lado, confirmam o interesse dos discentes pelas aulas coletivas; por outro, atribuem especial atenção aos fatores sociais e interativos como a principal razão dessa propensão.
Atendendo aos gráficos anteriormente apresentados, verifica-se que todos os alunos (100%) demonstram interesse pelas aulas em conjunto; todavia, a razão desse interesse advém de diversos fatores. Como podemos verificar a partir do Gráfico 2, os alunos iniciantes (100%) apresentam maior interesse em tocar em conjunto, aspeto que coincide com o observado durante as aulas. Estes alunos apresentam sempre uma grande vontade em tocar em conjunto, seja a tocar a linha principal, o acompanhamento ou a compor a sua própria melodia. No que concerne ao grupo avançado, constata-se que a sua preferência se divide entre tocar em conjunto (50%) e ouvir o colega (50%), conferindo alguma importância à presença do colega na aula de violino.
Gráfico 3 - Questão 3: Nas aulas de instrumento, com que frequência o meu colega ajuda-me a aprender?
Fonte: Elaborado pela autora
A questão 3 objetiva recolher informação sobre a interação e espírito de entreajuda vivenciado no âmbito das aulas de violino em conjunto.
Verifica-se que os alunos avançados têm tendência a ajudar mais vezes os colegas (100%). Este elemento vai de acordo com o observado nas aulas, visto que, os alunos avançados reconhecem alguns problemas, respetivas resoluções, assim como fornecem conselhos e dicas mais realistas e pertinentes. Não obstante, os alunos iniciantes também proferem comentários interessantes durante as aulas e conseguem identificar algumas dificuldades do colega. Todavia, talvez por não conhecerem o caminho para a resolução dos problemas, nem sempre conseguem dar instruções exequíveis.
Atendendo a este cenário, presume-se que esta será a razão para a escolha das opções Às Vezes (50%) e Raramente (50%) atribuída pelos alunos avançados para designar a ajuda dos colegas iniciantes.
Gráfico 4 - Questão 4: Nas aulas de instrumento, tento tocar bem para o meu colega?
Fonte: Elaborado pela autora
Mediante as respostas recolhidas na questão 4, entende-se que todos os alunos (100%), sentem alguma responsabilidade em apresentar uma execução assertiva na presença do colega de grupo. Este aspeto leva a crer que a disposição em grupo, mesmo em grupos com níveis diferenciados, poderá instigar a competição saudável e, posteriormente, uma maior motivação e dedicação ao estudo do instrumento.
Gráfico 5 - Questão 5: Acho que ouvir o meu colega é:
Fonte: Elaborado pela autora
A questão anteriormente apresentada objetiva entender a opinião dos alunos em relação à presença do colega na aula instrumental, e estimar o seu impacto na aprendizagem de cada indivíduo.
Observamos que os alunos iniciantes (100%) consideram que ouvir o colega mais avançado é excelente para a sua aprendizagem. No âmbito de um grupo com alunos de níveis diferenciados, será estimulante e interessante ouvir o colega que apresenta um nível ligeiramente superior, com uma técnica mais desenvolvida e um repertório mais complexo, elementos que instigam a atenção na aula, bem como a motivação e a superação pessoal.
Ao relacionar este resultado com o observado durante as aulas lecionadas, verifica-se que a presença de um aluno mais experiente traz alguns benefícios fundamentais à aprendizagem. Esta presença permite aumentar a atenção do colega durante a aula, assim como possibilita o contacto precoce com técnicas e conceitos complexos que serão abordados futuramente, facilitando a sua assimilação.
Questionário dirigido ao corpo docente
O inquérito por questionário em questão foi dirigido a todos os docentes praticantes do ensino coletivo no CAL. Assim, foram obtidas 19 respostas sendo que apenas 17 alegaram adotar a prática do ensino coletivo.
Gráfico 6- Questão 1: Considera o ensino instrumental coletivo benéfico para a aprendizagem?
Fonte: Elaborado pela autora
No que concerne às respostas recolhidas através da questão 1, afere-se (82,4% - 14) considera esta prática benéfica para a aprendizagem. As questões seguintes objetivam entender os motivos que justificam a opinião expressa anteriormente.
Gráfico 7 - Questão 2: Na sua opinião quais são as principais vantagens do ensino coletivo?
Fonte: Elaborado pela autora
A grande maioria dos professores (88,2% - 15) considera os fatores sociais e interativos como sendo a principal vantagem do ensino coletivo. Estes resultados podem, de certa forma, confirmar os benefícios do ensino coletivo para o desenvolvimento social e cooperativo, algo que o ensino individual não consegue atingir devido às suas características. Para além disto, o facto de o desenvolvimento das capacidades musicais surgir em 2º lugar no gráfico, com uma incidência de 64,7% (11), pode significar que o ensino coletivo não deteriora o desenvolvimento musical dos alunos.
Também alguma expressividade para a inclusão social (47,1%), fenómeno muito vivenciado no projeto do CAL; promoção do pensamento crítico e criativo (29,4% - 5); e por último, com menor incidência, o desenvolvimento da autonomia dos alunos (23,5% - 4).
Gráfico 8 - Questão 3: Na sua opinião, quais são as principais dificuldades apresentadas pelo ensino coletivo?
Fonte: Elaborado pela autora
Nesta questão observam-se opiniões francamente interessantes; a grande maioria das dificuldades descritas, remete para a prática pedagógica, seja a nível da gestão, organização ou falta de formação docente (29,4% - 5), fator que salienta a importância do papel do professor no sucesso do ensino coletivo.
Os elementos relacionados com a gestão do tempo (58,8% - 10), dificuldade em atender aos problemas de cada aluno (58,8% - 10), dificuldade em aprimorar aspetos de ordem técnica e performativa (29,4% - 5), bem como em manter o silêncio e ordem durante a aula (5,9% - 1) podem estar associados com o número de alunos por turma ou ainda com a heterogeneidade da mesma.
Ainda assim, não é possível ignorar que 47,1% (8) dos inquiridos tenha apontado que o ensino coletivo compromete a qualidade musical, aspeto que vai contra o descrito na fundamentação teórica. Este dado leva a ponderar que, de acordo com a perspetiva destes docentes, não é possível fomentar e desenvolver o máximo potencial de cada aluno no ensino coletivo, mas também a ponderar que este comprometimento musical tenha a ver com a falta de estratégias adequadas, ou ainda a falta de compreensão dos pressupostos teóricos do ensino coletivo.
Outro dado interessante remete para percentagem nula de respostas (0%) que consideram a impossibilidade de estabelecer fortes ligações com os alunos. Este resultado permite aferir que esta afirmação não é uma realidade associada ao ensino instrumental coletivo e que a socialização e interação são transversais à relação aluno-professor.
Gráfico 9 - Questão 4: Num grupo de trabalho instrumental com níveis diferenciados, é possível potenciar a capacidade de todos?
Fonte: Elaborado pela autora
Os docentes (80% - 10) expressam a viabilidade de potenciar a máxima capacidade de todos os alunos no seio de um grupo diferenciado. Este resultado permite credenciar que, apesar da heterogeneidade de um grupo, é possível fomentar o desenvolvimento dos alunos, provavelmente através de estratégias adequadas e deliberadamente programadas.
Gráfico 10 - Questão 6: Na presença de grupos de trabalho com níveis diferenciados, quais das seguintes estratégias utiliza?
Fonte: Elaborado pela autora
Legenda:
(E1): Ajustar o ritmo das aulas às necessidades dos alunos.
(E2): Fomentar a aprendizagem por observação.
(E3): Ajustar o currículo às capacidades do aluno.
(E4): Abordar o conteúdo de diversas formas, para que todos os alunos possam aprender.
(E5): Atribuir ao aluno alguma responsabilidade pela sua aprendizagem.
(E6): Aplicar uma avaliação formativa e contínua com base no ritmo de aprendizagem de cada aluno.
(E7): Criar um ambiente positivo onde todos se sentem confortáveis.
(E8): Fomentar o trabalho colaborativo entre os membros da turma.
(E9): Utilizar diversos recursos didáticos.
(E10): Outros: “Uma das estratégias que uso mais é denominar o aluno mais velho como aluno assistente que irá ajudar os alunos mais novos”.
Neste ponto aferiu-se que grande parte das estratégias (E) propostas são amplamente utilizadas no âmbito do trabalho desenvolvido em grupos heterogéneos.
Por seu turno, evidenciou-se que numa sala diferenciada, o ambiente otimista e confortável é um aspeto fundamental, sendo também a estratégia mais utilizada pelos professores (93,3% - 14). Este dado confirma que o respeito e a aceitação da diferença serão algumas das premissas para um ambiente favorável à aprendizagem e, possivelmente, o mais urgente na presença de grupos de nível heterogéneo.
Segue-se o ajuste do currículo (86,7% - 13) e do ritmo da aula às necessidades de cada aluno (80% - 12). Ainda assim, as restantes estratégias têm alguma representatividade, nomeadamente a avaliação formativa (73,3% - 11) e a aprendizagem por observação e colaboração (60% - 9).
De notar ainda que grande parte das estratégias propostas são, de facto, estratégias de diferenciação pedagógica, como é o caso das estratégias descritas nos pontos E1, E3, E4 e E6.
Gráfico 11 - Questão 7: Na presença de um grupo de trabalho instrumental com níveis diferenciados, considera eficaz fomentar uma aprendizagem colaborativa, em que os alunos mais capacitados ajudam os alunos com mais dificuldades?
Fonte: Elaborado pela autora
Através do gráfico entende-se que a esmagadora maioria (93,3% - 14) responde de forma positiva. Este fator não só confirma a implementação e importância dada pelos professores à estratégia da aprendizagem colaborativa na questão 6, como também afere a sua eficácia no seio de um grupo instrumental com alunos de níveis diferenciados.
Gráfico 12 - Questão 8: Considera que aplicar uma diferenciação pedagógica num grupo com alunos de níveis diferenciados potencia a capacidade de todos?
Fonte: Elaborado pela autora
Os professores inquiridos (100% - 12), em consonância com outras respostas dadas ao longo do inquérito por questionário, enfatizam que a referida estratégia permite instigar o desenvolvimento de cada um dos alunos, e confirmam uma eventual aplicação no quotidiano pedagógico dos docentes daquela instituição.
Triangulação e discussão dos resultados
Os dados recolhidos através da observação direta, do questionário ao corpo docente e aos alunos dispostos em grupos diferenciados, permitem analisar a problemática de diversas perspetivas e identificar convergências e divergências, oferecendo uma visão mais realista sobre o objeto em estudo.
Mediante a opinião do corpo docente inquirido, podemos aferir diversos benefícios da aprendizagem coletiva, tais como, a socialização, inclusão, motivação e o desenvolvimento das capacidades musicais. Esta ideia encontra-se de acordo com o observado nas aulas, bem como, com as respostas dos alunos através do questionário, onde se constata o interesse dos mesmos pela aprendizagem coletiva, em grande parte, devido à interação vivida nas aulas (Exemplo 1.3.1).
Ainda em relação aos pontos fortes do ensino coletivo, podem-se identificar outros elementos-chave, como a atenção dos alunos à execução do colega, aspeto que fomenta uma aprendizagem por observação e, consequentemente o desenvolvimento musical; os comentários e observações que fazem no decorrer da aula (Exemplos 3.1.1 e 2.2, fator que estimula a aprendizagem colaborativa (Exemplos 3.3.1 e 3.3.2); e por último, o aumento da concentração e atenção durante a aula, causado pelo sentido de responsabilidade em tocar bem perante o parceiro (Exemplo 1.2.1), independentemente do nível em que se encontra.
Como observado, os alunos mostram interesse e sentem-se bem nas aulas em conjunto. Apesar de terem uma boa relação com o professor, sentem a falta do colega quando este não consegue comparecer (Exemplo 1.1.2) – inclusive, verbalizaram algumas vezes que a aula sem o colega “é meio chato” (Exemplo 1.1.1). Ora, isto naturalmente não quer dizer que as aulas passam pela vertente lúdica e meramente extracurricular, mas que as atividades em conjunto, as interações e as observações fazem parte da normalidade da aula, não constituindo um entrave, mas sim uma qualidade do ensino coletivo. Nota-se que o corpo docente do CAL partilha da mesma opinião ao nomear o desenvolvimento de fatores sociais e interativos como o principal benefício do ensino coletivo, elemento que presumivelmente, não é atingível na sua plenitude através do ensino individual, dada as suas especificidades.
Durante o ano letivo os alunos foram instigados a observar o colega, a fazer comentários construtivos sobre a sua prestação e a sugerir melhorias na mesma. Este fenómeno causava uma discussão saudável, numerosas demonstrações no instrumento e no quadro, e uma interação muito diferente da que existe entre professor e aluno; como podemos observar mediante o caso apresentado no exemplo 2.1, em que o aluno mais avançado se dirige ao colega, aquando da sua dificuldade em tocar duas notas ligadas e exemplifica dando-lhe algumas dicas e tocando em conjunto com ele.
Através da comunicação entrepares, verificou-se que os alunos estavam atentos à prestação do colega e aos diversos elementos técnicos, como a pega do arco, posição das mãos, etc., reconhecendo, por exemplo, que nem sempre o colega tinha a posição correta (Exemplos 3.1.1 e 2.2), e sugerindo algumas alterações e soluções (Exemplo 3.1.1). Por conseguinte, os alunos têm a possibilidade de adquirir outras referências, ao encontrar pontos em comum e pontos divergentes com o parceiro.
Outro aspeto relevante, prende-se com a aquisição de novos conceitos através de uma aprendizagem colaborativa. Segundo os dados recolhidos pela observação direta, constatou-se que ambos os alunos aprendiam um com o outro através da observação, da troca de ideias e da execução em conjunto (Exemplos 1.3.1, 2.2, 3.1.1, 3.2.1, 3.3.1, 3.3.2) elementos que fomentam uma interdependência positiva.
No que concerne aos conteúdos abordados, foram implementadas estratégias de diferenciação que permitiam o acesso de todos os discentes a um novo conceito, mas com variações nos objetivos, processos e produtos. De notar que, sob o olhar dos professores inquiridos, as estratégias de diferenciação, tais como, o ajuste do currículo, a utilização de diversas abordagens ao mesmo conteúdo e a avaliação formativa, são ferramentas eficazes para a potencialização dos alunos em grupos de nível diferenciado.
Desta forma, no decorrer das aulas lecionadas, todos os alunos adquiram novos conhecimentos, possibilitando o envolvimento de todos nas diferentes fases da aula. Por exemplo, ainda que o aluno iniciante não possuísse competências suficientes para executar um determinado elemento no instrumento, adquiria outros conhecimentos, como o reconhecimento auditivo ou o domínio teórico e estrutural, facilitando a aprendizagem destes conteúdos no futuro (Exemplo 3.3.1 e 3.3.2) Por sua vez, o aluno avançado foi instigado a explicar novos conceitos ao seu colega, oferecendo a sua perspetiva em relação à temática, muitas vezes simples e fácil de entender (Exemplo 3.2.2), fenómeno que, não só facilitou a aquisição de conhecimento por parte do aluno iniciante como ajudou a solidificar e valorizar o conhecimento do aluno com mais experiência.
Ainda que o ensino coletivo disponha de diversos elementos a seu favor, também apresenta algumas lacunas; não obstante, segundo a opinião dos professores do CAL, esses problemas não passam pela dificuldade em estabelecer fortes ligações com os alunos, confirmando os elementos da socialização e interação como uma das virtudes do ensino coletivo.
Entre as lacunas apresentadas encontram-se a gestão e organização do tempo, a dificuldade em atender às necessidades de todos e a dificuldade em aprimorar aspetos técnicos e performativos, elementos vivenciados no decorrer da investigação através da observação, mas também da opinião do corpo docente. Estes elementos podem ser ainda mais expressivos na presença de grupos de trabalho numerosos onde as diferenças aumentam e as necessidades são mais específicas. Todavia, fica claro que a maioria das lacunas apresentadas estão associadas à prática pedagógica, fator que confirma a importância do papel do professor no sucesso do ensino coletivo. Deste modo, entende-se que estas adversidades não devem ser intituladas como desvantagens, mas sim como desafios. A razão pela qual usamos esta nomenclatura prende-se com a possibilidade de ultrapassar estas adversidades através de um planeamento sólido e diferenciado, que englobe diversas dinâmicas e que preveja possíveis falhas e contratempos. Todos estes elementos podem ser controlados pelos professores praticantes do ensino coletivo. Todavia, apesar da simplicidade da ideia acima apresentada, a dificuldade está em executar a tarefa de forma efetiva, especialmente em grupos instrumentais numerosos.
Conclusão
A dinâmica numa sala heterogénea é de grande complexidade, uma vez que contempla diferentes personalidades, níveis de concentração, aprendizagem, interesses, necessidades educativas, etc. Esta exige um profundo conhecimento da parte do professor acerca dos membros do grupo, quer a nível das suas competências, quer da sua personalidade e carácter, especialmente nos grupos de grande dimensão, onde a diversidade é ainda mais expressiva.
Tendo isto em conta, na presença de um grupo instrumental com níveis diferenciados, existe especial preocupação em prover os alunos com uma aprendizagem sólida que, não só se adapta às necessidades, nível de aptidões adquiridas e aos interesses individuas, como também tem o objetivo de potencializar competências e atingir o máximo potencial de cada membro do grupo.
Através desta pesquisa conclui-se que os fatores interação e colaboração, aliados à implementação de diversas estratégias de diferenciação pedagógica, são poderosos instrumentos de dinamização que otimizam e reforçam a aprendizagem, assim como o desenvolvimento e envolvimento de todos. Para além disto, a socialização que se faz sentir no ensino coletivo é um elemento de interesse e motivação pessoal para os alunos, já que o contacto com um parceiro e a participação ativa torna a aula mais dinâmica, apelativa, bem como ajuda a desenvolver relações interpessoais e competências de comunicação.
No ensino coletivo e, concretamente numa sala diferenciada, os alunos têm a possibilidade de adquirir o conhecimento de vários prismas; ou seja, ao contrário do ensino individual em que a aprendizagem acontece, maioritariamente, pela prática instrumental e pela transmissão do conhecimento do professor para o aluno (que poderá adquirir as mais diversas formas didáticas, como por exemplo, através da imitação, aprendizagem significativa, etc.), no ensino coletivo em grupos instrumentais heterogéneos, os alunos adquirem o conhecimento não só através do contacto com o professor e com a prática instrumental, mas também através da observação, interação e colaboração entrepares.
Numa aprendizagem por observação, os alunos, não partilhando das mesmas tarefas ou repertório, ao analisar a prestação do colega, comparam-se com ele, identificam e respeitam as diferenças entre ambos, e obtêm outras referências. Simultaneamente, adquirem novos conhecimentos do foro auditivo, teórico ou estrutural. Este fenómeno de observação e de partilha, desenvolve a concentração dos alunos e possibilita o envolvimento de todos no processo de aprendizagem.
Numa segunda dimensão enaltecemos uma abordagem colaborativa em que os alunos expressam as suas ideias e opiniões de forma construtiva em relação ao colega, partilham o seu conhecimento e a sua experiência com o intuito de identificar problemáticas e encontrar as devidas soluções, com a última finalidade de ajudar o colega a atingir determinados níveis.
Ao desenvolver uma discussão saudável e interativa na qual os alunos vão ao encontro do colega e auxiliam-no, ao partilhar o seu ponto de vista, tocar em conjunto e fornecer instruções de fácil interpretação, o ensino torna-se mais dinâmico e flexível. Paralelamente, permite ainda aumentar a participação dos alunos e a sua autoconfiança, instigar a reflexão crítica e a autoavaliação, assim como cria um ambiente de partilha, interdependência positiva e de intervenção favorável à aprendizagem, onde todos se sentem responsáveis e valorizados.
Seguindo o raciocínio acima descrito, conseguimos estabelecer um fio condutor com a teoria da ZDP de Lev Vygotsky. Através desta pesquisa, consegue-se comprovar em termos práticos que os alunos mais desenvolvidos, ao assumirem o papel de mediadores da aprendizagem, conseguem, de facto, auxiliar os restantes colegas a assimilar determinadas competências. Este fenómeno de colaboração é também nomeado como uma das estratégias utilizadas pelo corpo docente no âmbito de grupos diferenciados e constitui a principal implicação da teoria da ZDP no ensino coletivo em grupos heterogéneos.
Não obstante, a presente investigação oferece uma contribuição adicional à teoria da ZDP. O papel de mediador não se cinge apenas ao individuo do grupo que adquiriu mais competências, mas é transversal a todos os alunos do grupo. Cada um dos indivíduos é detentor de conhecimentos e ideias únicas que possibilitam assumir o papel de mediação através da troca de informação e experiências, elementos que fomentam o desenvolvimento, a aprendizagem e o compromisso musical.
Assim, ainda que algum dos elementos do grupo não tenha atingido o mesmo nível de competências que o seu parceiro numa determinada matéria, este é capaz de fornecer observações pertinentes, por vezes óbvias, que causam um grande impacto no colega e ajudam na identificação e correção de certos aspetos. De notar que, provavelmente, os alunos com mais experiência providenciarão dicas mais práticas e realistas do que os colegas; no entanto, a aprendizagem no âmbito do ensino coletivo faz-se em todos os sentidos. A cooperação entrepares permite que todos se sintam responsáveis por partilhar o conhecimento e valorizados pela sua opinião, fenómeno que fomenta um ambiente de intervenção construtiva.
Assim sendo, o ensino coletivo não é uma metodologia de ensino estática e unilateral, mas antes dinâmica, flexível e envolvente, onde a socialização, através da interação, observação e colaboração, assume um lugar de destaque como elemento instigador da aprendizagem, tendo assim um impacto positivo no desenvolvimento de todos os alunos dispostos em grupos instrumentais com níveis diferenciados.
Importa também salientar o papel do professor para uma correta operacionalização das aprendizagens por observação e colaboração, nomeadamente em manter um ambiente agradável e confortável para todos através da gestão e mediação dos comentários e opiniões. Cada individuo detém de uma personalidade ímpar, assim como sentimentos reais e concretos que precisam ser levados em conta em todos os momentos de uma aprendizagem instrumental coletiva. Para além disso, o papel do professor na implementação de estratégias de diferenciação, tais como: a adaptação do currículo às capacidades individuais; a inclusão de diversas abordagens ao mesmo conteúdo; assim como a aplicação de uma avaliação formativa com base no ritmo de aprendizagem de cada um, são fatores de extrema relevância para o bom funcionamento da aula e para a operacionalização da aprendizagem. Assim, um planeamento sólido e abrangente, com base no nível de aprendizagem dos alunos e tendo em conta as suas necessidades e interesses, é um elemento-chave para uma aula dinâmica, envolvente, confortável e, consequentemente, para a potencialização de competências.
No que toca à evolução dos alunos, há diversos aspetos a ter em conta. A progressão é um fenómeno pessoal e complexo, moldado por fatores intrínsecos e extrínsecos, de personalidade e circunstância que não se devem a um único motivo. Por esta razão, ainda que todos os alunos tenham evoluído em diversos níveis, transpondo as suas dificuldades e adquirindo novas competências, não se pode concluir que esse desenvolvimento seja fruto único da aprendizagem em grupos diferenciados. Não obstante, o que se pode constatar através dos diversos dados recolhidos é que ambos confirmam a possibilidade de potencializar a capacidade de todos os intervenientes, ao implementar dinâmicas de aprendizagem que criem um ambiente confortável para cada um, ao ativar instrumentos de diferenciação – que vão desde a adaptação do currículo e das tarefas ao ritmo de aprendizagem de cada aluno, à implementação de uma avaliação formativa e de uma aprendizagem colaborativa, onde os alunos partilham o conhecimento, reconhecem pontos convergentes e divergentes entre eles, e criam uma dinâmica construtiva que culmina com o desenvolvimento de todos.
Em suma, apesar das complexas dificuldades apresentadas pelo ensino coletivo, em especial na presença de um grupo com alunos de níveis diferenciados, onde a diversidade é a única constante, apresentando desafios concretos para o desenvolvimento musical de todos os membros do grupo, os fatores sociais como a interação, colaboração e observação, aliados à implementação de estratégias de diferenciação que se adaptam às necessidades individuais, respeitam as diferenças entre os intervenientes do grupo e visam atingir o máximo potencial de cada um, apresentam-se como um caminho para a potencialização das aprendizagens e para o desenvolvimento de cada aluno. Através da cooperação grupal os alunos apropriam-se de várias fontes de conhecimento, participam ativamente na aula e sentem-se realizados, motivados e envolvidos no processo de aprendizagem, aumentando assim o seu compromisso musical.
É imperativo reconhecer que o ensino instrumental coletivo é uma modalidade de ensino que tem vindo a substituir, gradualmente, o paradigma do ensino individual, pois permite o acesso ao ensino especializado de música a um número muito superior de indivíduos. Com ele chegam desafios concretos e realidades particulares que carecem de atenção e, sobretudo, de mudança na prática pedagógica. Deste modo, os professores devem colocar o ceticismo de lado e atuar como agentes de mudança e transformação, procurando entender as especificidades e particularidades desta modalidade de ensino, refletir continuamente sobre a sua prática e encontrar soluções inovadoras e dinâmicas que valorizem e operacionalizem os pontos fortes do ensino coletivo.
Para isto, é necessário que se continue a investigar e a debater sobre a temática, sobretudo em Portugal, onde parece existir uma grande resistência e uma sobrevalorização do ensino individual em detrimento do coletivo, assim como investir numa formação que combine as duas modalidades de ensino e que instrua profissionais versáteis, atualizados e capazes de prover cada aluno com um ensino de qualidade.
A aprendizagem coletiva em grupos com alunos de níveis diferenciados é um processo complexo, mas que pode encontrar nas estratégias de diferenciação e nos elementos de socialização, importantes ferramentas para melhorar a prática desta modalidade de ensino, contribuir para a otimização da aprendizagem e, consequentemente, melhorar os resultados da aprendizagem musical de todos os alunos numa sala com níveis diferenciados.
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[1] Tradução livre da autora a partir do texto original: “It is the distance between the actual development level as determined by independent problem solving and the level of potential development as determined through problem solving under adult guidance or in collaboration with more capable peers”.
[2] Para levar a cabo a presente investigação, procurou-se cumprir os princípios éticos e formais para que a recolha de dados fosse realizada com o conhecimento e consentimento de todos os participantes. Em função disso foi enviado um pedido de autorização por escrito aos encarregados de educação dos alunos para a participação dos mesmos no estudo, pedido esse que foi aceite.